sábado, agosto 29, 2009

doce

A atmosfera medieval vem da cidade renascida à noite. Oiço ainda a música da varanda, as coisas que a minha varanda já ouviu, enciclopédia de sons. Depois da meia-noite a coruja branca vem do castelo e sobrevoa os prédios antigos, como um grifo, numa cantoria arrepiante anunciando sombrias desgraças, não fosse de um branco fluorescente fantasma como uma companhia conheço-lhe as asas e o esgar. Às vezes vozes, normalmente, o silêncio de um mar longínquo trincheirado pela serra. Conheço-os todos – os sons. Fui-os guardando neste metro quadrado de fascínio.

A verdade é que já me levaram as tralhas. Custam-me o peso dos papéis. As memórias.
Parece custar mais largar o que não presta, penso.

D. O telefonou hoje: era para perguntar se gosta de doce de tomate ou de abóbora? Então não gosto?!!! Claro que sim.
Já foi embora?
Estou de partida.
Quando voltar passo em sua casa para lhe dar um frasco. Lembra-se do meu desenho a pastel? Era pastel de quê? Aquilo ficou bem? Se calhar deveria melhorar? Lembra-se? Era uma casa com árvores…
Pastel seco. Lembro-me bem. Vá tentando, vá descobrindo.

É que gostava de experimentar a tela, foi pena a operação, perdi muitos meses, não experimentei…ainda experimentei a aguarela mas a professora disse que tinha de pintar como a água, não é? aquilo ficou estranho, carregado, precisava arranjar...e ainda tenho a maleta e os fascículos de pintura…voltei a inscrever-me, queria aprender...
Eu sei.
Quando voltar diga-me que eu passo aí e levo o doce.

Quando eu voltar…um frasco doce à espera.

Uma partida deve ser leve como aguarela. sinto. a chegada, doce.

quarta-feira, agosto 26, 2009

“Como Nós”.
António Lobo Antunes

"Espero por ti cá em baixo enquanto a paciência azul das ondas escreve o teu nome com gestos de alga na praia e um rosto de aguarela me fita, imóvel, de um segundo andar, de tal maneira real que decerto não existiu nunca um rosto tão espantado como o meu espanto de ninguém me responder se bato à porta da casa onde vivo e que me aperta os ombros como um casaco emprestado, espero por ti com a luzinha de um cigarro na língua a fim de que me reconheças na escuridão destas duas da tarde demasiado claras, espero por ti a tremer de não ter febre e despenteado pelo vento que não há, o cão afasta-se desiludido como tudo se afasta do meu corpo, mesmo a sombra enrodilhada de vergonha em torno dos sapatos e quando as sombras se envergonham de nós mais vale desistir, trancarmo-nos no quarto de banho e ficar a ver no espelho o rosto que não somos já, que não seremos mais, espero por ti a tremer como um namorado muito feio espera, à chuva, de crisântemos outonais na mão, a namorada também feia que se esqueceu dele, de nariz nas cortinas a assistir ao Domingo, espero por ti, e nisto o automóvel ancora no lancil e no banco traseiro, sozinha, o teu sorriso descobre-me e caminho ao teu encontro, a medo, de joelhos aflitos, para te explicar as girafas do Jardim Zoológico indiferentes ao estrondo dos altifalantes, tão ruidoso como o silêncio do meu amor por ti."

clotilde perrin


prairies virtuelles-carnet d'idées Peggy Nille


:
Voyage sur la Baie 2006


minuscule tv

III
ir descobrindo
...

segunda-feira, agosto 17, 2009

gosto do Oeste e do Atlântico...

da Ericeira ao Cabo da Roca. passando pelas Azenhas do Mar, o Magoito, a praia da Adraga e...principalmente a Foz do Lizandro. O mar malandro.
gosto da costa alentejana, até Sagres. tudo.

...de férias que não tive.

Ver

Aqui

e
(condomínio aberto-vila utopia)(curioso como a ideia de condomínio fechado desinteressa ao bom gosto-senso)(seja como for é uma utopia inteligente e bonita de ver)(criatividade, natureza integrada)(ui! como custa a simplicidade)

domingo, agosto 02, 2009

olharCE - nova revista

"Cultivar a permanência do olharCultivar a permanência do olhar nas fissuras do cotidiano – corpos e vidas – possibilita-nos a experiência de um tempo que escorre, e não apenas se precipita. Nessa dimensão de tempo escorredouro e dilatado – não-escorregadio – o espaço entre se configura: entre-imagem, entre-movimento, entre-lugar. O momento do tempo não administrado por completo pela lógica da mercadoria - o lugar dos possíveis. Onde o princípio esperança poderia muito bem morar.
Como diz Michel de Certeau, lugar é tudo o que se pode sonhar sobre o lugar. Mais: lugar é justamente o que poderia ser tão próximo, que nos faz estranhar o que é desumano e transcender, inventar, povoar o que nunca houve, mas que pode ser. O que de tão fronteiriço alcança os interespaços com uma lógica outra que nos ultrapassa, em nossa solidão. E – seria bom ousar dizer – simplesmente nos humaniza.
Em um processo de atualização ininterrupto, eis como o ato de dançar pode constituir-se num entre-lugar: como um regime de disponibilidade onde se coloca um corpo, independente de sua localização geográfica. Linha de fuga, que fizesse seu caminho de ida e, logo, voltasse, cumprindo seu avesso. Assim se pode dizer que dançar é tornar visível o que nos é familiar e, por isso mesmo, tornou-se invisível. Dançar é também desfamiliarizar – compor gesto e cena com corpos intensivos, potencializadores de encontros e afetos que nos vêm de um futuro nunca acontecido antes. Como diria o educador Paulo Freire: é função da arte criar o inédito viável – o que nunca se teve, mas que pode vir a ser.
A revista OLHARCE surge nesse contexto como uma das ações do projeto Bienal Internacional de Dança do Ceará/De Par Em Par, que nos anos pares, intervalares aos anos do Festival, investe em ações focadas em formação – artística e de público – centradas em três eixos: registro e memória; circulação; produção corpo-imagem.
O principal objetivo é dar visibilidade às ações que vêm sendo desenvolvidas na área da dança no Ceará, apostando em novos desdobramentos e conexões. Que os espaços, os artistas e os territórios aqui apresentados sejam do mundo, deslocando-se das limitações geográficas, habitando a terceira margem. Ou o outro lado que a imagem aponta: o que não se pode tocar, mas se adivinha.
Aqui estão relações que estabelecemos ao longo do período de dez anos. Movimento e pausa. É a isso que a Bienal Internacional de Dança se propõe: evidenciar relações – mais do que produtos, objetos, obras – e deixar ver a complexidade de nosso próprio tempo, em seus embates culturais, sociais, econômicos. Em seu discurso amoroso. Mover-se no nosso tempo, nos espaços do cotidiano que se pode ver que se move: voar entre eles. E trazer o devir para tão perto, que se pode encantar o hoje com o terceiro minuto da aurora.
No dorso desse cavalgar, o imaginado é tomado como uma estação. Onde as relações aqui vividas, através de uma produção artística diversa e, a um só tempo, próxima, possa provocar, ainda e sempre, não apenas o sonho, mas o exercício de sonhar."
David Linhares e Andréa Bardawil